A vontade não era de escrever, apesar de me bater ao peito, aos neurônios e às mãos uma
vontade que é uma mistura de sonho e memória, de paisagens e
preocupações – e pequenas descobertas pouco importantes ou muito desimportantes.
Lá fora chove, e mesmo que eu não diga que está chovendo lá fora, as coisas,
materiais e imateriais, estão sendo lavadas pelas águas que caem. Mas de que
adianta esta observação, se quando alguém ler essa afirmação não estiver caindo
chuva alguma. A chuva tem sentido muito mais pelo cheiro, que pelo próprio
estado líquido – tem pouco sabor olhar a chuva estando dentro d’algum lugar
trancado em que não se pode sentir este cheiro de terra molhada, esses vapores que
sempre trazem alguma lembrança.
Moro
sozinho e me divirto com o Vizinho, que me olha com carinho quando saio bem cedo,
ou quando chego bem tarde. Às vezes jantamos ou almoçamos juntos, quando a
comida sobra – ou quando cozinho para nós dois. Ele sorri, me ouve, brinca e
até me dá conselhos quando saio apressado e preocupado com meus afazeres
profissionais. O Vizinho é meu melhor vizinho, é com quem me dou melhor em
minha vizinhança. Ele é um cachorro, que por status animal pode se racificar
como vira-lata, mas tem muita estirpe, uma elegância singela. É preto, um pouco
magro, mas tem um brilho intenso e sincero nos olhos. Não sei o nome dele – na
verdade o Vizinho é uma cadela –, nunca ouvi a dona chamá-la pelo nome, mas, de
todo modo, gosto de chamá-lo por Vizinho, e assim ele responde, sempre
sorridente.
Outro dia, falando com Ele, a vizinha – da raça gente – respondeu e ficou desconcertada ao ver que o vizinho com quem eu conversava era um cachorro – expliquei a situação. Noutra oportunidade, um garotinho vizinho perguntou por que ele não me mordia. Tentando refletir sobre a recente relação com o animal, só pude responder.
-
porque eu o trato bem, sou amigo dele.
-
será que ele vai me morder...
-
ah, não sei, faça amizade com ele.
Continua a chover – o que não é nenhuma novidade em Belém – o vizinho está na sua casinha, ao lado da minha. Seus olhos devem está taciturnos na sua melancólica tarde chuvosa. Eu estou esperando a carne descongelar para fazer o almoço. Aí vamos almoçar – eu e o Vizinho. Depois volto a escrever, não crônicas, mas reportagens que tenho que entregar, com um prazo que já enforca os ponteiros. É assim, vida de jornalista, escritor e amigo de cachorro. A amizade livra-nos das mordidas – de cachorro, pelo menos. E a chuva, não tem nada a ver com isso.
João Henrique Vieira,
Belém 14 de novembro de 2012. 14:44h.
Obrigado por me fazer sentir alegria com seu belo texto.Emocionei-me e identifiquei-me com ele.Sou sua fã.
ResponderExcluirMuito bom ter voltado com o blog, meu amigo. Acompanharei, como dantes.
ResponderExcluirÓtimo texto. E a chuva não só nos lava, não só nos renova, como também nos dá a delícia de ter motivo para escrever.
Beijo meu.