Todo dia é dia de alguma coisa: aniversário, tragédia,
salário atrasado, lembrança de quem foi, expectativa de quem há de vir, seu
aniversário de namoro, o vencimento daquela prestação, nascimento de alguém
famoso, show daquele cantor que você sempre quis ver, prova de matemática; todo
dia é o dia de algum dia. Hoje é, também, o dia da poesia. E daí? Poesia para quê? Lembro que o Manoel de Barros diz que aquilo que não serve para nada, é ótimo para poesia. Gosto de pensar assim, sob a beleza das coisas inúteis. Poesia vale para quase tudo, só não vale para aquilo cujo nada vale.
Há poesia em muita coisa, em muita gente, em muito lugar. Há poesia
no caos das paisagens urbanas, nos rosto de uma criança que acredita que o
mundo inteiro é dela – um dia ela vai lutar para realmente acreditar nisso – há
poesia na saudade das mães, que guardam as primeiras provas e desenhos dos
filhos, há poesia naquela imagem que a gente viu e não fotografou. Há poesia no
que não há.
Sempre que compro um livro usado, observo a dedicatória e
fico pensando sob qual sentimento ela foi escrita e porque razão – além da
falta de grana – a pessoa se desfez do livro. Acho isso poético. Poesia vai além
de palavras. Palavras são a maneira que as parimos, às vezes. Quão bonita é a
poesia no suor e na cara cínica depois do amor. Na volta trôpego de uma noitada
feliz, no abraço e no que não se precisa dizer.
Não sei se o dia está mais poético. Em algum lugar deve fazer
um final de tarde lindo, com um sol laranja se deitando sobre nuvens espessas;
ou uma tarde chuvosa e sem graça, foda mesmo. Talvez o almoço não tenha sido o
melhor de todos. A poesia não depende do seu dia, mas pode fazer o dia ser diferente
– doses diárias, sob prescrição de algum médico-poeta preferido, ah, como o dia
pode ser melhor! Poesia está por aí, todo dia, para quem quiser pescar. Tenha hoje
amanhã e sempre, algo que lhe pareça poético, que lhe permita ser menos grave e um pouco mais leve.
Ah, poesia é besteira, né? Poeta é bobo, não se leva poeta a
sério, poesia não paga conta, né? É, poesia não serve para quase nada, só serve
para ser poesia mesmo. Poesia não tem nada a ver com a tua vida, né? É, vai
saber se teu pai disse algum poema para tua mãe um dia, antes de te gerar. Uma
vida com poesia, mesmo que não pague contas, nem nos traga aquela vizinha
gostosa, mesmo que ninguém nunca nos leia. Poesia, sim meus caros!
E aí, Qual seu dia, no dia de hoje?
joão,
ResponderExcluiradorei o texto! "la poésie est indispensable, bien que je ne sache pas à quoi", disse jean cocteau. de fato, não há nenhuma finalidade ulterior e esse é o barato do poema: uma leitura que recompensa a si própria.
abraços,
arthur.