Termino
de ler On The Road, aos trinta e
poucos anos, com a estranha sensação de já ter feito quase tudo do livro e, ao
mesmo tempo, com a vontade sincera e melancólica de pôr o pé da estrada, aí
penso no emprego, nas contas, na comida na geladeira e todas as coisas
passageiras, com prazo de validade. Ao fundo, vem da casa do vizinho um Guns N’Roses enfadonho e um rock
berrante que, deveras, ele que não sabe nem bem o português, não deve entender
patavina do que está sendo dito. Assim, eu penso realmente que algo está
errado, ou certo demais – mas assim é a vida, feita de extremos estranhos e
belos. No fim das contas, tudo está sempre certo e sempre pronto a dar errado
ou muito errado, mas a um passo de dar certo, a escolha é nossa e mesmo essa
certeza varia, é quase uma variável tão bela e constante feito o pôr-do-sol, um
infinito conflito diário que nos leva pra frente.
Lembro
que esse On The Road eu peguei com o
Assaí Campelo – iluminador, e, às vezes, iluminado, do Theatro 4 de Setembro.
Em verdade, eu deveria apenas tê-lo entregado à amiga Maria Aparecida. Não
entreguei, fiz um empréstimo compulsório, ou roubo mesmo, na verdade. O livro
que tanto fala de viagens, veio de Teresina para Belém, ficou tempos entre
alguns livros, andou por três residências pelas quais passei e está na minha
estante, junto a Pessoa, Saramago, Ginsberg, Bukowski, Torquato, García Márquez
entre outros loucos iluminados de diversas formas, cada um com seu estilo e
comprimido específico.
Penso
em quanta gente leu On The Road e o
que passou pela cabeça, o primeiro pensamento, a ação seguinte, quantos
realmente puseram os pés na estrada. Eu? Ah, eu vou recolher o prato e a xícara do café, vou lavar
algumas louças para não acumular – que banalidade lúcida – tomar banho, com uma
fantasiosa sensação feito estivesse dando um mergulho no mar para sair
renovado, e vou trabalhar. No ônibus vou recostar a cabeça no assento, fechar
os olhos e pensar que estou numa agradável viagem, tentar fazer dos 40 ou 60
minutos de trânsito, numa longa viagem por estranhas e belas paisagens que são
um misto de minhas lembranças. Assim vou tendo meus On The Road diários, porque se o trânsito engarrafa, minhas
memórias são velozes e atrevidas – talvez eu viaje quase nu, com alguns amigos
iluminados pela loucura juvenil que não tem idade, mas que troca de roupa ao
longo dos anos. Esqueço do itinerário e, quase automático, retorno num susto a
um ponto da minha parada.
Agora poderia estar tocando uma canção melhor, mas ainda toca uma música
enfadonha, que nem eu nem meu vizinho sabemos o que quer dizer, dessas que nos faz
sentir dentro da C&A. Talvez ele pense em fazer compras, eu penso em viajar
– mesmo que de olhos fechados e uma imaginação escancarada. Ah, como meu
espírito vai muito além, mesmo que eu volte quando abro os olhos – terminei um On The Road, mas sinto que tenho os pés
na estrada desde existências imemoriais.
Ps. O livro não voltará para a estante, seguirá viagem nalgum
empréstimo, com a fictícia autorização do verdadeiro dono.

Comentários
Postar um comentário
Gostou ou não? deixa opinião!